sábado, outubro 10, 2009

Arsenal do Alfeite - Exemplo da Luta da classe operária em Portugal*

*Testemunho de um Arsenalista

«O objectivo deste texto é perpetuar, da forma escrita, a luta dos Arsenalistas iniciada no dia 14 de Julho de 2009, porque é digna de ser contada e recontada a todas as gerações, actuais e vindouras.

OUVEM-SE AS BOTAS, OUVEM-SE AS VOZES...
A última grande luta do Arsenal do Alfeite

- Anda daí, o pessoal está a manifestar-se em frente à administração!
Uma força enorme fez-me obedecer sem hesitar, nunca a vontade esteve tão unida com a
razão. Havia que dizer NÃO! àquilo que nos queriam fazer.

O que vinha aí era mau de mais, anunciava-se o fim de um amor que parecia eterno, separação imposta pela força do poder podre que há já muito tempo se separou do superior interesse do país e se aliou aos interesses dos senhores do dinheiro.

Era um facto: o Arsenal do Alfeite, ancestral estaleiro de construção, reparação e manutenção dos navios da Armada, garante da sua operacionalidade, iria ser extinto como organismo público e entregue ao domínio privado, cedendo-lhe o seu saber único e totalmente com dinheiro dos contribuintes. A data de execução tinha sido fixada em decreto-lei para trinta e um de agosto de dois mil e nove.

Uma das coisas que mais nos inquietava era terem dito a muitos colegas nossos que não
contavam com eles na nova empresa, sem qualquer critério de escolha, sem qualquer fundamento, sem qualquer documento escrito. Apenas diziam: não conto consigo... que desumanidade, ao que isto chegou, dizia-se dentro e fora do estaleiro.

Aos que disseram que contavam com eles, propuseram um acordo com cláusulas incríveis,
em que se assinasse o trabalhador não estaria a vender a sua força de trabalho, mas sim todo o seu tempo, o seu espaço, a sua vontade, toda a sua vida.

Para a larga maioria, foi preciso terem sido confrontados em responder de vez a esse acordo para descerem à terra.

Foi como um interruptor que lhes acendeu a realidade e que despertou um vulcão que muitos pensavam para sempre estar adormecido...

Deixei o edifício da minha divisão, já meio deserto, e sob o tórrido calor de um princípio de
tarde de verão, pus-me a caminho da administração. Ao meu lado esquerdo, paralela ao edifício
onde eu trabalhava, alongava-se a doca seca do estaleiro, preenchida pela Vasto da Gama, seminua, abandonada, envolta apenas num silêncio enorme que me sussurrava baixinho: - vai, já estás atrasado...

Dobrei a oficina de pintura e tomei a longa recta que terminava nos portões do estaleiro.

A meio da rua, caminhando na minha direcção, via-se uma multidão que se agitava em tons de azul, soltando bramidos imperceptíveis ao longe, com certeza eram palavras de ordem pela defesa dos nossos postos de trabalho.

Juntei-me a eles entre a antiga oficina de serralharia e montagem, ou simplesmente máquinas, e os serralheiros civis.

Se antes eu já era um deles em alma e pensamento, tornara-me um deles em corpo também.
Entrámos na serralharia determinados, unidos, emocionados, revoltados, convictos do que
queríamos, invadidos por um sentimento de união e de força colectiva capaz de mover montanhas, de atravessar rios e oceanos, nada nos faria parar!

- Andem daí! Vamos embora! – gritámos para os nossos camaradas da serralharia civil.

Vieram de imediato. O mesmo aconteceu na ferraria, carpintaria, pintura, manutenção, construção naval. A adesão parecia total. A coluna agigantava-se em comprimento e em voz, serpenteando pelas ruas do estaleiro.

Seguiu-se a escola de formação, a divisão de armamento, depois o refeitório, a electricidade, a galvanoplastia. Virámos para as traseiras da divisão de mecânica, onde sobressaiam as grandes oficinas das máquinas e da caldeiraria de tubos.

Depois virámos para o lado direito, passando pela contabilidade, sala de desenho, informática, aproximávamo-nos do edifício da administração.

Por onde passámos, chamámos os nossos camaradas para a luta. Tratava-se da luta das nossas
vidas, pela vida do nosso Arsenal. Todos perceberam isso e se envolveram num dos mais belos
movimentos da história da luta da classe trabalhadora.

Éramos cerca de um milhar de trabalhadores em fúria, por nos ter sido dito “não contamos consigo”, por nos ter sido imposto um acordo cessável a trinta dias sem justa causa, tendo como alternativa a precariedade da mobilidade especial.

A certeza de um futuro incerto. Mas que forma de reconhecer e premiar aqueles que desde sempre souberam garantir a operacionalidade dos navios da Marinha de Guerra Portuguesa!

Ocorria-nos um sentimento de perda irreparável, por isso nada mais tínhamos a perder. E o
movimento crescia, crescia! A exaltação também. A nossa absoluta convicção na justeza do protesto aliou-se ao desespero e à raiva há muito tempo contida, gerando um fenómeno imparável, imprevisível, incontrolável.

Em plena base militar, o poder estava nas ruas, na luta dos trabalhadores civis do Arsenal do Alfeite!

Chegámos ao edifício da administração e deu-se o inesperado.

Muitas dezenas de trabalhadores em fúria irromperam ruidosamente pela porta lateral do edifício, invadindo o seu interior. Da rua conseguia-se ouvir a correria nos corredores, o gritar de palavras de ordem, o estilhaçar de vidros pela trepidação à passagem agitada dos invasores.

O ambiente era surreal, assustador, mas ao mesmo tempo belo e pleno de simbolismo.

Concentrámo-nos diante da entrada principal da administração, por onde saíram os que tinham invadido o edifício, já acompanhados pelo pessoal que ali trabalhava.

O nosso objectivo era manifestar de forma bem vincada o repúdio pela situação e rejeitar o assinar de qualquer novo acordo ou contrato, uma vez que já tínhamos assinado um quando fomos admitidos no Arsenal do Alfeite. Acima de tudo, que suspendessem o processo de extinção do Arsenal e garantissem o posto de trabalho a todos os arsenalistas.

Cerca de um milhar de trabalhadores gritava em uníssono “não assinamos”, “trabalho com direitos sim, desemprego não” ou “a luta continua”. Não sairíamos dali enquanto a situação não fosse resolvida!

Reparei na chegada do Administrador do Arsenal do Alfeite, vindo do almoço, entrando em
passo apressado pela porta lateral do edifício.

Alguns minutos depois enfrentou a multidão, deu a cara, como bom exemplo da velha guarda, embora tenha sido vaiado pela grande maioria dos que ali estavam.

Os membros da comissão de trabalhadores e da comissão sindical, que entretanto tentavam refrear um pouco os ânimos sem grande sucesso, facultaram-lhe um megafone para que mais facilmente pudesse ser ouvido por todos. Demasiado acalorado, tirou a gravata e procurou fazer-se ouvir perante o burburinho que ali estava instalado :

- Um momento, um momento.

O pessoal acalmou-se um bocado. O Administrador prosseguiu:

- Eu não vim para o Arsenal do Alfeite há dois dias! Nem há dois meses! Nem há dois anos! Eu conheço o Arsenal do Alfeite desde mil novecentos e setenta e nove! Portanto, eu sei muito bem o que é o Arsenal do Alfeite – fez uma breve pausa, depois prosseguiu:

- Neste momento, quem é o Administrador do Arsenal do Alfeite sou eu. Eu tenho acesso ao
Secretário de Estado. Eu tenho acesso ao chefe da Marinha. Relativamente a esta questão que vocês estão a pôr... eu comprometo-me a ir tratar do assunto, em ir falar com a administração da nova empresa, em ir falar com o Secretário de Estado, no sentido de ver se as coisas podem ser tratadas de outra maneira – concluiu.

Ouviram-se mais aplausos do que vaias, as suas palavras caíram bem entre grande parte dos
trabalhadores. Porém, apesar de conhecer o Arsenal do Alfeite há trinta anos, a sua visão do
estaleiro chocou várias vezes com aspectos da cultura e da identidade arsenalista, e nem todos se tinham esquecido de que ele sempre se manifestou a favor da passagem do Arsenal do Alfeite a sociedade anónima, admitindo a possibilidade de se reduzir pessoal.

Outro episódio houve em que, num plenário convocado por si, a maioria dos presentes riu à gargalhada quando afirmou que uma das coisas que o Arsenal do Alfeite mais necessitava era de aumentar o número de engenheiros.

Sentindo a sua classe ofendida, mal terminou o plenário enviou uma mensagem de solidariedade a todos os licenciados, expressando-lhes o seu apoio contra o que apelidou de "basismo empedernido”, referindo-se claramente a quem se riu da sua afirmação.

Muito boa gente com responsabilidades nunca deu ou nunca quis dar real importância aos executantes, aos seus saberes e conhecimentos adquiridos, à sua invulgar capacidade de resolução de problemas em oficina e a bordo.

Ao longo dos setenta anos de história do Arsenal do Alfeite, foi esse o segredo e a chave para o bem sucedido cumprimento da missão que foi confiada ao Arsenal. Porque é nas oficinas e a
bordo que se fazem as coisas.

Foi nos seus anos como Administrador do Arsenal do Alfeite que se iniciou, operou e concluiu o processo de transformação do organismo público Arsenal do Alfeite em sociedade anónima, mas talvez o processo não tenha decorrido conforme tinha idealizado, talvez tivesse sido até enganado, só ele sabe.

Certo é que, naquela tarde bem quente de Julho, ele parecia não estar contra nós. Porém, a sua intervenção nem sequer beliscou o fervor descontente da multidão.

Ninguém arredou pé. Estávamos todos juntos e determinados como nunca se tinha visto, volta e meia gritando bem alto:

- Não assinamos!

Numa posição privilegiada no andar superior do edifício da direcção técnica, paralelo ao da
administração, alguns chefes de divisão assistiam divertidos ao protesto e, segundo alguns
testemunhos, tiravam fotografias e filmavam.

Corria pelo Arsenal que lhes haviam prometido carros de empresa, cartões de abastecimento gratuito de combustível e outros incentivos, para que a futura administração já os tivesse na mão.

Apesar dos boatos serem uma característica arsenalista, na verdade eles falavam e agiam como se já estivessem a trabalhar para a nova empresa, pressionando incrivelmente as pessoas no sentido de estas assinarem pela futura Arsenal SA.

Outros sentiram-se com um poder aparentemente ilimitado e demonstraram o pior que há nos seres humanos quando acontecem situações semelhantes.

Eram também estas razões que alimentavam o sentimento de revolta de todos nós, e naquela tarde esse sentimento atingiu uma magnitude tremenda, como tremendo era o asco perante aqueles que nos estavam a fazer mal ou a gozar com a nossa dignidade.

Percebendo isso, e perante o olhar ferido de raiva e a atenção de cada vez mais pessoal apontando-lhes o indicador, eles apressaram-se em cerrar as cortinas, apagar as luzes e zarpar dali para fora.

Foi melhor assim, para eles e para nós.

Subitamente, vindo do refeitório em direcção aos portões do estaleiro, um carro escuro de gama alta foi travado pela barreira humana que ocupava totalmente a rua. A maioria reconheceu o condutor como sendo um antigo administrador do Arsenal do Alfeite... a reacção foi colectiva e automática:

- Não passa!

E não passou. Mais tarde surgiram outros carros parecidos, sempre transportando velhas figuras conhecidas dos arsenalistas, todas elas do topo da hierarquia do estaleiro.

Coincidência das coincidências, nesse dia tinha havido um almoço especial, muito pouco divulgado, um banquete em que terão participado alguns antigos, actuais e futuros directores e administradores do Arsenal.

Algumas viaturas ficaram cerca de duas horas bloqueadas pelo protesto, outras apenas alguns
minutos, mas não passaram! Não entravam nem saíam carros! Quem quisesse, era livre de sair ou entrar, mas pelo seu próprio pé.

A nossa posição estava bem vincada e era unânime. Não sairíamos dali enquanto não tivéssemos garantias de que a situação iria mudar. O ambiente nunca deixou de ser tenso, mas
tornou-se estável.

Uns procuraram uma sombra para se abrigarem do Sol, outros sentaram-se nos vários espaços relvados diante do edifício da administração, mas a maioria estava de pé, bloqueando a passagem dos carros, manifestando o seu desagrado, conversando uns com os outros, trocando ideias, formando correntes de opinião.

O Administrador andava de um lado para o outro, desdobrando-se em esforços para deixarmos sair os carros, dizia que aquelas pessoas nada tinham a ver com a situação.

Bem, se virmos bem, muitos dos que tiveram grandes responsabilidades no Arsenal do Alfeite acabaram por ter a sua quota parte de culpa pela situação a que o estaleiro chegou...

Houve um carro que quase conseguiu sair, tendo sido travado mesmo junto aos portões por
um grupo de pessoal que se apercebeu a tempo. Um colega soldador ainda levou um toque nos
joelhos, quem viu garante que podia ter sido evitado, o ambiente aqueceu novamente...

O condutor manteve-se calmo, imperturbável, segundos depois pediu desculpa ao rapaz e o episódio acabou ali.

Quando as pessoas se esforçam para chegar a um entendimento digno, as coisas costumam correr bem. Foi o que nunca aconteceu no processo de transformação do Arsenal do Alfeite, pois os órgãos representativos dos trabalhadores do Arsenal nunca foram ouvidos durante a fase de estudo e decisão do processo.

O Administrador bem tentava que desmobilizássemos, mas não tinha qualquer controlo sobre
as pessoas. Nem ele nem os nossos órgãos representativos, visivelmente preocupados com a
situação.

A hora de saída aproximava-se e tínhamos de tomar decisões. Diante da entrada principal do
edifício da administração, no meio do espaço relvado, havia uma espécie de lago artificial, delimitado por um pequeno muro com cerca de meio metro de altura.

Esse muro serviu de palanque sempre que os órgãos representativos tinham algo para nos dizer, como era o caso. Exceptuando o pessoal que barrava solidamente a passagem de viaturas nos portões do estaleiro, todos fomos ouvir as novidades, para que depois pudéssemos tomar decisões.

O que nunca tinha acontecido em meses fora conseguido numa tarde memorável.

A comunicação social já sabia e noticiava o sucedido, apesar de não estar autorizada a entrar na Base para cobrir este tipo de situações. O Ministério da Defesa prontificou-se em receber os nossos representantes com urgência. A administração da futura Arsenal SA. aceitou reunir-se na manhã seguinte com a comissão de trabalhadores.

A luta começara a surtir efeitos.

Sabendo das novidades, decidimos desmobilizar no estaleiro e concentrarmo-nos no exterior,
junto aos portões do Laranjeiro, onde nos esperavam inúmeros órgãos de comunicação social.

Os carros puderam finalmente sair do Arsenal com normalidade. Decidimos também esperar pela reunião da manhã seguinte e, mediante a nossa análise ao resultado dessa reunião, determinaríamos qual o seguimento a dar ao movimento imparável que tínhamos iniciado.

Nos dias que se seguiram, e perante a firmeza da nossa luta, apoiada e saudada vivamente pelas duas maiores forças políticas portuguesas de esquerda, sob a vigilância atenta de grande parte da comunicação social, multiplicaram-se as reuniões com o Ministério da Defesa e com a administração da futura SA, as cedências aconteciam em todos os dias, surgiram várias versões da minuta do acordo, cada vez mais brandas e menos restritivas, com múltiplas supressões e alterações de cláusulas, apesar da continuidade daquela cláusula maldita que permitia que nos empurrassem para a mobilidade, agora a noventa dias.

Nada disto teria acontecido sem a grande jornada de luta iniciada de forma espontânea pelos
trabalhadores do Arsenal do Alfeite naquela saudosa e escaldante terça-feira, que permitiu colocar os representantes dos trabalhadores a negociar, quer com o Ministério da Defesa, quer com a administração da futura Arsenal SA.

Em catorze de Julho de mil setecentos e oitenta e nove, em Paris, heróis revolucionários
tomaram a Bastilha e escreveram uma das mais importantes páginas da história da Humanidade.

Exactamente duzentos e vinte anos depois, os trabalhadores do Arsenal do Alfeite, através da força e determinação da sua luta, provaram que, mesmo numa fase histórica de clara perda de direitos, é possível fazer ceder o monstro capitalista nas suas intenções desumanas de transformar o trabalhador cada vez mais num escravo remunerado.

Por isso, agora e sempre, e tal como deve acontecer na defesa da Liberdade e da Democracia, a luta dos trabalhadores continua, tem que continuar, todos os dias, todas as horas, em todos os momentos, em todos os lugares, na procura de um mundo socialmente mais justo e humanamente equilibrado.

Fim

José Soares, arsenalista, 7 de Agosto de 2009.





domingo, março 09, 2008

Professores unidos na luta ou a luta continua e está a ganhar intensidade

«Nacional
Educação/Marcha: PSP admite presença de cerca de 100 mil manifestantes no protesto de professores

Lisboa, 08 Mar (Lusa) - O comando metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública (PSP) confirmou hoje a presença de cerca de 100 mil manifestantes na "marcha da indignação" dos professores, em Lisboa, ratificando os valores adiantados pelos sindicatos do sector.

"A PSP não discorda dos valores já avançados e o número de manifestantes não andará longe dos 100 mil", referiu à Lusa fonte do comando de Lisboa.

A mesma fonte informou que não houve qualquer registo de ocorrências durante a manifestação, que decorreu entre as 14:30 e as 19:00, num percurso entre a rotunda do Marquês de Pombal e o Terreiro do Paço, em Lisboa.

Para a manifestação foram destacados cerca de 120 efectivos da polícia, acrescentou a mesma fonte.

PL.

© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
2008-03-08 22:55:01»


Nota: O número estimado de professores em Portugal é de 143 mil. Quer isto dizer que 70 % de toda uma classe profissional saiu à rua para protestar contra o governo.

Na próxima quarta-feira serão os trabalhadores da Administração Local e na sexta sairão à rua os trabalhadores da Função Pública.

É das maiores contestações sociais que um governo do PS (se não mesmo entre a totalidade dos governos dos últimos 32 anos) enfrenta.

A luta dos trabalhadores não pára de aumentar.

A manifestação de hoje dos professores irá com certeza ser um estímulo para as próximas jornadas de luta. Exemplo de união e força, esta manifestação (re)confirma que em Portugal o povo e os trabalhadores não toleram prepotência, autoritarismo, arrogância e repressão.

A manifestação de hoje só espanta quem estiver mais distraido. Há uma semana atrás o PCP com a sua marcha - Liberdade e Democracia indicou claramente às massas qual é o caminho da luta. Na marcha estiveram 50 mil ou mais comunistas e outros a defender as liberdades e a democracia. A defender Abril e a sua constituição que não é respeitada pelo poder político e tão pouco pelo poder económico que desrespeita as próprias leis que haviam sido criadas já para sua protecção.

Já desde 2006 que as manifestações dos trabalhadores portugueses atingem com regularidade os 6 dígitos. E no tempo que passou, não só não mudaram as políticas como os sinais de autoritarismo e repressão se acentuaram.

Não se quer com isto dizer que era igual ter lutado ou ter deixado o governo fazer o que quisesse sem oposição. Mesmo que não o admita, as lutas travadas até aqui refrearam o ímpeto do governo em muitas áreas. Interessa neste sentido contabilizar aquilo que o governo disse que iria fazer e que depois não fez ou não faz com a rapidez por ele desejada.

Portanto a manifestação de hoje não espanta, antes confirma o crescimento da tomada de consciência dos trabalhadores portugueses, que no caso concreto traz a originalidade de meter na rua 100 mil de 143 mil trabalhadores de uma só classe profissional. É obra!!!


Marcha - Liberdade e Democracia - Apreciação do Comité Central do PCP

Mais de 50.000 na Marcha Liberdade e Democracia
Uma afirmação dos ideais de Abril e da força do PCP


O Comité Central sublinha o extraordinário êxito da Marcha - Liberdade e Democracia, convocada pelo PCP, realizada a 1 Março, que encheu as ruas de Lisboa e fez transbordar o Rossio, com mais de 50.000 pessoas, comunistas e outros democratas, numa singular acção de massas, em defesa das liberdades e da democracia, em defesa dos valores e conquistas de Abril.
O Comité Central saúda os militantes Partido, da JCP pela sua participação nesta marcha, numa grande afirmação da força do PCP, das suas convicções e do seu ideal. Saúda igualmente todos os democratas que, participando ao lado dos comunistas nesta iniciativa e reconhecendo o papel do Partido em defesa da liberdade e da democracia, quiseram com a sua presença afirmar a determinação e a confiança na luta em defesa do regime democrático.
A Marcha - Liberdade e Democracia foi um alerta a todo o povo português, a todos os que aspiram a um futuro de liberdade, democracia e progresso social, para a urgência de pôr termo aos ataques a direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e do povo, que todos os dias são concretizados pela política de arrogância, prepotência e autoritarismo do governo do PS/Sócrates.
A Marcha reafirmou o direito à liberdade de organização, intervenção e actividade partidária posto em causa pelo carácter antidemocrático da Lei dos Partidos e do Financiamento dos Partidos. E confirmou quanto é necessária a ampla luta contra as tentativas de formatação e limitação da existência de partidos políticos, de ingerência na sua organização interna, de limitação à sua intervenção e devassa da sua vida e dos seus ficheiros.
Inserindo-se no momento de descontentamento e luta que percorre o País, a Marcha deu voz aos trabalhadores que lutam pelos direitos laborais e sindicais, que são discriminados e perseguidos por se organizarem, manifestarem, fazerem greve; deu voz aos dirigentes e activistas sindicais identificados, julgados e condenados por estarem com os trabalhadores na luta em defesa de direitos constitucionalmente consignados como o direito ao trabalho, direito a salários dignos, direito ao respeito pela dignidade de quem produz a riqueza; deu voz aos jovens e estudantes que expressam o seu profundo protesto contra o desemprego, a precariedade e a destruição do ensino público; deu voz a jornalistas condicionados na sua liberdade de informar com verdade e isenção; deu voz aos que lutam pela Liberdade e a Democracia e a todos os que estão determinados a combater as políticas antidemocráticas que corroem o País, aumentam as injustiças e ferem a dignidade do nosso Povo.
A Marcha protestou contra aqueles que em nome da «liberdade», concretizam medidas securitárias e exercem cada vez maior controlo e vigilância na sociedade; contra aqueles que em nome da «democracia», subvertem a vontade directa do povo e o pluralismo político nas autarquias locais, ferindo uma vez mais o Poder Local Democrático; contra o PS e o PSD que, conluiados para rever a Lei Eleitoral para a Assembleia da República, visam, a sua perpetuação em alternância no poder garantindo a continuidade da política de direita.
O Comité Central reafirma a necessidade de prosseguir a luta em defesa das liberdades e que, hoje como ontem, o PCP é a força política que, pela sua intervenção, projecto e ideal, é capaz de unir e mobilizar outros democratas para a defesa da democracia política, económica, social e cultural e da independência e soberania nacional que a Constituição da República consagra.

Marcha - Liberdade e Democracia





segunda-feira, janeiro 21, 2008

O PCP na Assembleia da República

terça-feira, dezembro 11, 2007

DESAFIO

Foi apanhado nesta “corrente literária”
Desafiado por aldeia-pp eis a quinta frase da página 161 do meu livro de cabeceira actual, deixando a informação que por coincidência passei hoje por ela estando neste momento na pag. 164: Mas esta falsa opinião, assente apenas na esperança de que os acontecimentos não se desenvolveriam com demasiada rapidez, esta falsa opinião só podia ser superada pelo partido com a participação no movimento popular de 3/4 de Julho com a palavra de ordem «todo o poder aos Sovietes» e com o objectivo de imprimir ao movimento um carácter organizado e pacífico. V.I. Lénine - Obras escolhidas em três tomos - Tomo 2 - Frase do "Projecto de Resolução Sobre o Momento Político Actual", elaborado por Lenin para a reunião plenária do CC do Partido Bolchevique marcada para o dia 3 (16) de Setembro de 1917.
Deixo o desafio a Maria e Naycotin.


segunda-feira, dezembro 03, 2007

Revolução Bolivariana - PCV apresenta 15 razões para votar com Chávez pelo "sim"

Notícia retirada de http://www.vermelho.org.br/

30 DE NOVEMBRO DE 2007 - 14h01

PCV apresenta 15 razões para votar com Chávez pelo "sim"


O Partido Comunista da Venezuela divulgou um documento no qual apresenta as 15 razões pelas quais o povo venezuelano deve votar pelo "sim" no referendo do próximo domingo (2). Ao longo do texto, são apresentados os principais avanços que serão conquistados pelo país caso as propostas de reforma constitucional do presidente Hugo Chávez vençam o "não".


Moça diante de propagandas adversárias em Caracas

Leia abaixo aos 15 razões apresentadas pelo PCV:


1. Sim porque fortalece o Poder Popular
A reforma instaura mecanismos poderosos para o exercício da participação do povo como protagonista, reconhece o Poder Popular (artigo 136), dá hierarquia constitucional aos Conselhos Comunais e estabelece novos espaços e estruturas de democracia participativa, como os Conselhos de Trabalhadores e Trabalhadoras, de Camponeses e Camponesas e de Estudantes (artigo 70).


2. Sim porque democratiza a economia
A reforma proíbe clara e enfaticamente os monopólios (artigo 113) e os latifúndios (artigo 307), e propõe a desaparição progressiva das grandes oligarquias e favorece o surgimento e o fortalecimento de pequenas e médias unidades econômicas industriais, agrícolas e de serviços.


3. Sim porque define um novo modelo de desenvolvimento
A reforma estabelece um modelo de desenvolvimento econômico fundado em valores humanísticos, socialistas e ecológicos, que prioriza os interesses da comunidade sobre os individuais e que garante a satisfação das necessidades sociais e materiais do povo (artigos 112 e 299), meio pelo qual começará a deixar para trás o modelo capitalista de exploração selvagem dos seres humanos e da natureza.


4. Sim porque reconhece as diversas formas de propriedade
A reforma reconhece e garante pela primeira vez na história da Venezuela a existência de uma diversidade de formas de propriedade: privada, pública, social direta, social indireta, coletiva e mista (artigo 115). Isso significa que a partir de agora o Estado se compromete como nunca antes a proteger e preservar a propriedade de todos e a propriedade de cada um.


5. Sim porque amplia os direitos sociais e econômicos dos trabalhadores e trabalhadoras
A reforma estende aos trabalhadores e trabalhadoras não dependentes, informais e por conta própria os benefícios e direitos laborais que nunca lhes havia sido reconhecidos, como aposentadorias, pensões, férias pagas e repousos médicos (artigo 87). Da mesma forma, reduz a jornada trabalhista a seis horas diárias e obriga o Estado a promover mecanismos para a utilização produtiva do tempo livre em benefício da educação, formação integral, desenvolvimento humano, físico, espiritual, moral, cultura e técnico dos trabalhadores e trabalhadoras (artigo 90).


6. Sim porque avança até a verdadeira descentralização
A reforma ordena os governos nacional, estadual e municipal que descentralizem e transfiram efetivamente ao povo organizado numerosas funções e competências que até agora estavam reservadas aos poderes tradicionais, entre elas a administrações de serviços públicos, a manutenção de áreas urbanas, a segurança e a proteção das comunidades, a construção de obras públicas, a criação e gestão de empresas públicas, cooperativas e outras unidades econômicas (artigo 184). Além disso, estabelece mecanismos financeiros generosos para dotar diretamente às comunidades organizadas dos recursos necessários para assumir essas novas funções e competências (artigo 167). Tudo isso se traduz no fortalecimento do Poder Popular e o cumprimento real da velha promessa nunca satisfeita da descentralização.


7. Sim porque fortalece a soberania nacional
A reforma estabelece mecanismos efetivos para afiançar e assegurar a soberania econômica nacional. Estabelece um trato preferencial para as empresas nacionais de qualquer tipo sobre suas equivalentes estrangeiras (artigo 301). Reserva para o Estado venezuelano todas as atividades relacionadas com a exploração, exportação, transporte e armanezamento de todos os hidrocarbonetos, e garante que a PDVSA e todos os estes ou empresas estatais que desenvolvam atividades nesse ramo sigam sendo prioridade de todo o povo (artigos 302 e 303). Além disso, compromete o Estado a promover e desenvolver as atividades agropecuárias com critérios ecológicos e humanistas e com o objetivo de garantir a segurança alimentar do povo e a soberania do país nessa matéria (artigo 305).


8. Sim por que resgata o BCV
A reforma elimina a nefasta autonomia do Banco Central da Venezuela, que nos havia sido imposta pelas doutrinas econômicas neoliberais, e reorienta as atividades desse ente até a satisfação das condições monetárias, cambiais e financeiras necessárias para promover o crescimento e o desenvolvimento econômico e social da nação (artigos 318 e 321).


9. Sim porque contém uma nova definição das Forças Armadas
A reforma define a Força Armada Bolivariana como um corpo "patriótico, popular e antiimperialista", que "estará sempre a serviço do povo venezuelano em defesa de seus sagrados interesses e em nenhum caso a serviço de oligarquia alguma ou poder imperial estrangeiro" (artigo 328).


10. Sim porque avança até a integração latino-americana
A reforma ordena ao Estado venezuelano fazer da integração latino-americana e caribenha um objetivo primordial de sua política internacional, com o propósito de configurar um bloqueio regional de poder político, econômico e social capaz de contem as pretensões imperialistas das grandes potências, dentro de um mundo pluripolar (artigos 152 e 153). Isso significa que a Venezuela se comprometerá como nunca a fazer realidade os ideais bolivarianos de unidade continental e de solidariedade entre os povos, em sua luta pela emancipação real e o bem-estar coletivo.


11. Sim porque proíbe a discriminação e favorece a igualdade
A reforma proíbe qualquer forma de discriminação baseada em critérios de etnia, sexo gênero, idade, saúde, credo, orientação política, orientação sexual, condição social ou religiosa (artigo 21). Da mesma forma, a reforma estabelece pela primeira vez a igualdade efetiva de direitos políticos entre mulheres e homens, ao ordenar a paridade entre umas e outros em cargos de eleição popular (artigo 67). Além disso, a reforma faz obrigatórios o reconhecimento, o respeito e a promoção de todas as culturas constitutivas da nação venezuelana sob o princípio da igualdade entre todas elas (artigo 100).


12. Sim porque cria uma nova organização do território nacional
A reforma estabelece uma gama de mecanismos flexíveis para a organização e administração do território, que farão possível atender de maneira mais efetiva as necessidades, potencialidades e características particulares de cada área, e que facilitarão o desenvolvimento do Poder Popular e as novas formas de democracia direta (artigo 16). Além disso, se consagra o "direito à cidade", entendo como o direito de todos os cidadãos e cidadãs a participar na gestão de sua cidade e a desfrutar eqüitativamente de um meio urbano digno e de qualidade (artigo 18).


13. Sim porque dá fundamento jurídico às Missões
A reforma dá hierarquia constitucional às Missões, como o que fica assegurada sua continuidade e sua permanência como instrumentos para a satisfação das necessidades mais urgentes das maiorias nacionais (artigo 141).


14. Sim porque estabelece uma verdadeira democracia nas universidades
A reforma reconhece, pela primeira vez na história, os trabalhadores e trabalhadoras das universidades como membros plenos direitos da comunidade universitária; estabelece os princípios da democracia participativa e protagonista para a vida interna das universidades, e garante o voto partidário de estudantes, professores e professoras, trabalhadores e trabalhadoras, para eleger as autoridades universitárias (artigo 109). Assim, se satisfaz uma demanda histórica das comunidades universitárias e se criam condições para a construção de uma genuína democracia nas universidades, tudo isso sem menosprezar a autonomia.


15. E porque ao dizer "sim" à reforma ratificamos nosso apoio ao presidente Chávez, fortalecemos o governo revolucionário e damos novo impulso ao processo para que siga avançando.

domingo, novembro 18, 2007

Os caminhos do governo do PS

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
CAPÍTULO II

Direitos, liberdades e garantias de participação política

Artigo 48º
(Participação na vida pública)

1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.

2. Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.


Excertos de uma notícia do Diário de Notícias de 14-11-2007

Governo recusa divulgar critérios de escolha


JOÃO PEDRO HENRIQUES e SUSETE FRANCISCO
«Apesar de várias pressões nesse sentido, algumas com origem em pesos-pesados da maioria socialista, o Governo recusa divulgar os critérios que o levarão a optar pela Ota ou por
Alcochete para localização do novo aeroporto de Lisboa.
(...)
Mário Lino explicou: "As variáveis da decisão de um projecto desta natureza não se decidem com base em quatro ou cinco critérios. É um pouco mais complexo e tem a ver com matérias onde tanto questões de ordem política, técnica e ambiental têm um peso muito grande". "Isto não é propriamente a adjudicação de uma autoestrada", acrescentou.
(...)
"Há que tomar decisões e para tomar decisões é preciso critérios. Mas a tomada de decisões provoca sempre reacções, e não tenho dúvida que, se fosse apresentar critérios, ia logo ouvir que o Governo tinha escolhido aqueles critérios para chegar a determinada solução."

A pressão para que esses critérios sejam divulgados voltou anteontem a aumentar, por via de uma intervenção pública do dirigente socialista António Vitorino. "Vou fazer de Marreta. Ando a dizer há mais de um ano que a análise da decisão beneficiaria se os critérios que vão presidir à decisão fossem enunciados antes da divulgação dos estudos técnicos", disse o ex-comissário europeu no seu espaço de comentário político na RTP-1.
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A exigência da divulgação imediata de critérios para a escolha - e dos seus pesos relativos na decisão final - é também comum a toda a oposição.
(...)»

segunda-feira, novembro 12, 2007

Álvaro Cunhal sobre a Revolução Operária de Outubro de 1917 na Rússia

A revolução de Outubro e a

questão do Estado

Um texto de Álvaro Cunhal

Escrito por Revista «O Militante»


A forma da Ditadura do Proletariado instaurada pela Revolução de Outubro foi o poder dos sovietes de deputados operários, soldados e camponeses. No próprio dia 7 de Novembro de 1917, discursando pela primeira vez depois do triunfo da revolução, Lénine proclamou: «O velho aparelho de Estado será radicalmente destruído e será criado um novo aparelho de direcção na pessoa das organizações dos Sovietes.» («Relatório sobre as tarefas que incumbem ao poder dos Sovietes», Obras, edição francesa, vol. 26, p. 245)
Os sovietes não foram uma criação artificial, decidida por teóricos num trabalho de gabinete. Os sovietes foram uma criação da classe operária e das massas trabalhadoras no decurso da luta revolucionária. Nascidos nas grandes batalhas políticas da Revolução de 1905-1907, reapareceram com o triunfo da revolução democrático-burguesa de Fevereiro de 1917 e ganharam tal amplitude que constituíram durante meses, até Julho de 1917, um órgão de poder paralelo do governo provisório da burguesia. O mérito de Lénine e do Partido Bolchevique não foi terem «inventado» os sovietes, mas terem sabido descobrir nesses organismos revolucionários criados pelas massas o órgão do poder no Estado proletário. Com a Revolução de Outubro, o poder do Estado passou para os sovietes. O primeiro Estado proletário foi e ainda é um Estado soviético.
Eleitos, não numa base territorial, mas directamente nas fábricas, nas oficinas, nas herdades, nas aldeias, nas unidades militares, os sovietes tornaram-se, não apenas organismos representativos das classes trabalhadoras, mas a forma de intervenção directa das massas na direcção do Estado. Tomando apenas os primeiros 10 anos do poder soviético, cerca de 12 milhões e 500 mil pessoas foram deputados, membros de comités executivos e delegados a congressos dos sovietes. Os sovietes constituíram a forma de exercício do poder pelas vastas massas populares, a afirmação do carácter verdadeiramente democrático da primeira ditadura do proletariado.
Todo o aparelho do primeiro Estado socialista deixou de ser orientado pelo centralismo burocrático característico dos Estados burgueses, para ser orientado pelos princípios do centralismo democrático. Como qualquer outro Estado, o novo Estado não era neutro nem se situava acima das classes. O novo Estado foi criado para servir a aliança do proletariado com o campesinato e com amplas camadas não proletárias de trabalhadores, para servir a maioria esmagadora da população contra a resistência das camadas desalojadas do poder. Mas, por isso mesmo, quebrado, destruído, esmagado o velho aparelho do Estado, o aparelho do novo Estado adquiriu um carácter profundamente popular.
O Exército Vermelho nasceu do povo e da revolução. Provenientes da classe operária e do campesinato, os seus quadros forjaram-se no fogo da luta. Desde o primeiro dia, as unidades do Exército Vermelho estiveram indissoluvelmente ligadas à classe operária e aos camponeses, nas fábricas, nas aldeias, nos sindicatos. A justiça foi também profundamente democratizada. Através de juízes eleitos e de assessores populares, as massas trabalhadoras passaram a participar amplamente na sua administração. A milícia tornou-se um instrumento de defesa diária da segurança da população. Os funcionários passaram a ser eleitos e revocáveis. Como auxiliares do poder, os sindicatos participaram activamente na criação de organismos económicos, na elaboração dos planos de produção, no contrôle operário sobre os dirigentes das actividades económicas. Escolas de gestão económica e administrativa, viveiros de quadros, os sindicatos, assim como as cooperativas de camponeses e artesãos, desempenharam importante papel na democratização da vida política e económica. Os sovietes, os sindicatos, as comissões de fábrica enviaram milhares de trabalhadores para os ministérios (comissariados do povo), para os comandos do exército e da milícia, para os órgãos de planificação e de gestão industrial. Foram os operários da Siemens-Shukart que deram os quadros para o primeiro núcleo de funcionários o Comissariado dos Negócios Estrangeiros; os da fábrica Putilov para o Comissariado do Interior; os do bairro Víborg de Petrogrado para o Comissariado da Instrução. Em vez da velha burocracia ao serviço do capital, é todo o sangue novo do proletariado revolucionário que corre nas veias do novo aparelho do Estado.
Pela primeira vez na história, as liberdades, a democracia, os direitos, deixaram de ser privilégio de uma minoria de exploradores para serem a forma de viver e de intervir na vida política e social das vastas massas populares. O Estado soviético suprimiu as desigualdades de direitos por motivo de origem social, do sexo, da instrução ou de crenças religiosas. Pôs à disposição dos trabalhadores os meios materiais para exercerem os seus direitos democráticos (edifícios, tipografias, rádio, ruas). Socializando os instrumentos e meios de trabalho, criou as condições para que o povo passasse a gerir a produção e as instituições económicas. O novo Estado socialista, a primeira ditadura do proletariado, constituiu, nas palavras de Lénine, «um novo tipo de democracia: o democratismo proletário» (Obras, edição francesa, vol. 33, p. 47).
Numa passagem de brilhante clareza, Lénine pôs em confronto o novo Estado socialista com o Estado burguês anterior. «Ditadura de uma minoria – escreveu Lénine –, o antigo poder não podia manter-se senão por expedientes de polícia, pelo afastamento, pelo impedimento das massas populares de participarem no poder, de controlarem o poder. [...] Ditadura da imensa maioria, o novo poder não podia manter-se e não se mantinha senão graças à confiança da massa imensa, senão porque chamava toda a massa a participar no poder das maneira mais livre, mais larga e mais poderosa.» («Contribuição para a história da questão da ditadura», Obras, edição francesa, vol. 31, p. 364).
A Revolução de Outubro mostrou na vida a justeza da teoria leninista do Estado e da Revolução. Nenhum governo teria sido capaz de pôr fim à exploração capitalista, de nacionalizar a indústria, os transportes, os bancos e a terra, de confiscar os latifúndios e entregá-los aos camponeses, de assegurar a igualdade das nações submetidas ao antigo império russo, de assegurar à mulher direitos iguais aos do homem, de encetar e levar a bom termo a obra grandiosa da edificação da sociedade socialista, se não dispusesse de um aparelho do Estado ao serviço dos operários e camponeses. Sem a destruição do antigo Estado (do aparelho da ditadura da burguesia), sem a criação do novo Estado (do aparelho da ditadura do proletariado) em bases amplamente democráticas, sem a participação real das massas na direcção política e económica, não teria sido possível realizar a revolução socialista.
As formas de ditadura do proletariado podem variar e variam segundo as condições, os métodos e as circunstâncias de acesso da classe operária ao poder, segundo o grau de violência do acto revolucionário, segundo o grau de desenvolvimento do capitalismo, segundo a situação anterior e a arrumação das forças de classe, segundo o grau de resistência da burguesia reaccionária à construção do socialismo, segundo a conjuntura internacional e os auxílios externos à reacção interior.
Lénine previa essa diversidade: «Todas as nações virão ao socialismo, isso é inevitável, mas não virão todas de uma maneira absolutamente idêntica; cada uma trará a sua originalidade em tal ou tal forma de democracia, em tal ou tal variedade de ditadura do proletariado, em tal ou tal variedade de ditadura do proletariado, em tal ou tal ritmo das transformações socialistas dos diferentes aspectos da vida social.» («Uma caricatura do marxismo», Obras, edição francesa, vol. 23, pp. 75-76)
O Estado, por sua natureza, significa a «organização da violência», mas o exercício do poder pelo proletariado pode ser mais tolerante ou mais severo segundo as exigências da situação e em particular segundo a posição da própria burguesia. Na Revolução de Outubro, a violência revolucionária a que foi obrigado o poder soviético resultou da «resistência feroz, insensata, impudente e desesperada» da burguesia. Sem essa resistência, no dizer de Lénine, a «revolução teria revestido formas mais pacíficas» («Relatório sobre o trabalho no campo ao VIII Congresso do PC(b)R», Obras, edição francesa, vol. 29, p. 212). A destruição do velho aparelho do Estado e a criação de um novo aparelho podem não excluir o aproveitamento de formas tradicionais de organização, cujo carácter de classe seja transformado. A tarefa dos partidos comunistas não é transplantar mecanicamente para os países respectivos as formas que tomou a ditadura do proletariado noutros países, não é querer imitar outras revoluções, antes saber encontrar as formas do poder político dos trabalhadores segundo as particularidades nacionais e o curso do processo revolucionário.
Quaisquer porém que sejam as formas, os traços essenciais da Revolução de Outubro conservam completa actualidade no sentido da sua «repetição histórica inevitável» e constituem, no que respeita à questão do poder, à questão do Estado, o mais rico arsenal de experiências e ensinamentos para o proletariado revolucionário de todos os países.
Álvaro Cunhal, A questão do Estado, questão central de cada revolução, pp. 17-22.